A Opinião que Grita mais Alto
- Vanessa Bordoni
- 13 de jun. de 2017
- 5 min de leitura
Quando eu ouvia falar em opinião pública, sem o aprofundamento dos estudos no tema, tinha a impressão de que ela seria democrática e representaria os interesses da maioria. Mas, quando passei a analisar os fatos e fazer leituras sobre o assunto, comecei a entender que, na verdade, é muito mais complexo do que isso.
Acredito que a opinião pública não consiga representar a maioria de uma população ou público-alvo, mas ela acaba sendo a representação das opiniões individuais, ou de um grupo, que se manifestam mais ou com maior poder de cativar seguidores. Sendo assim, a opinião que 'grita mais alto' é a que acaba por representar o todo.
Para reforçar esse ponto de vista, trago um trecho de HIWATASHI (2017, p.40):
Consideramos que a Opinião Pública não exista sob a forma de algo único, maior, hegemônico ou que paire sobre a maioria das pessoas: independentemente do processo de filtro e da ideologia tanto do emissor como do interagente, tendemos a crer que a opinião seria uma construção individual. Ela ocorre em diferentes contextos e em diferentes graus a partir da interpretação que cada pessoa faz sobre a informação recebida.
Atualmente, com o crescimento no uso das redes sociais, fica mais evidente a diversidade de opiniões existentes, o que dificulta a intenção de catalogar tais opiniões e chegar a um número, sendo que muitas vezes existe grande subjetividade que impede de somar as opiniões individuais para chegar em um resultado coletivo. O que acontece então é que as opiniões que mais se propagam, seja por alcance, seja por poder de influência do seu emissor, acabam sendo tidas como a opinião da maioria do público.
Abro aqui um parêntese, para salientar o quanto precisamos, como instituição e como profissionais, estarmos atentos a essas opiniões expressadas em público. Mesmo não representando a maior parcela do nosso público-alvo, o posicionamento individual tem a tendência de ganhar adeptos e ser replicado, podendo atingir públicos cativos ou que poderiam vir a se tornar potenciais para a instituição. É cada vez mais eminente a necessidade de analisar e compreender o comportamento dos públicos, bem como saber quem são os influenciadores de opinião, para poder gerenciar a imagem e evitar crises. E, pessoalmente, eu acredito que, por mais valiosa que seja a ferramenta da pesquisa, o feeling do profissional de relações públicas não pode ser desconsiderado nesse momento.
Segundo o professor Clóvis de Barros Filho, a formação da opinião está relacionada com a identificação ou não, das pessoas, com os fatos analisados. Dessa forma, a opinião está mais baseada na emoção do que na análise racional, fator que reforça a sensação de maioria, quando falamos em opinião pública.
Essa conclusão acima, ficou clara quando realizamos um trabalho de pesquisa sobre a Samarco, nesta mesma disciplina. No trabalho em questão, pude averiguar que as palavras que as pessoas utilizaram, para se referir ao caso do acidente de graves consequências ambientais em Minas Gerais, foram termos altamente utilizados em reportagens e comentários nas redes sociais, como: tragédia, impunidade, descaso, 'mar de lama', enfim. Isso me leva a entender que uma grande parcela das pessoas não forma uma opinião própria, baseada em análise de diversas fontes de informação, mas sim, aceita ou refuta uma opinião já formada, através de uma identificação pessoal com o assunto ou o emissor.
Essa efervescência do emocional, agrega à opinião individual a facilidade de condução, bem como a torna extremamente volátil, podendo ganhar grande proporção em determinado momento e também mudar com facilidade, em outro. Não devendo ser desconsiderado o poder de influência que permeia a opinião pública, mais um fator que retira dela a característica de ser democrática.
Entrando no âmbito das pesquisas, retomo o que já foi mencionado acima, considero impossível encontrar o consenso da maioria da população em questão. Isso não significa dizer que os dados levantados em pesquisas não tenham utilidade para as instituições e profissionais da comunicação, porém, é importante perceber que essas informações sozinhas não são suficientes, acredito na necessidade de relacionar dados e observação constante dos públicos.
Pierre Bourdieu levanta três pontos importantes sobre as pesquisas, no artigo A opinião pública não existe (acesse o link para aprofundamento), os quais transcrevo abaixo:
- Primeiramente, toda pesquisa de opinião supõe que todo mundo pode ter uma opinião; ou, em outras palavras, que a produção de uma opinião está ao alcance de todos. Correndo o risco de ferir um sentimento ingenuamente democrático, contestarei este primeiro postulado.
- Segundo postulado: supõe-se que todas as opiniões se equivalem: penso ser possível demonstrar que isto é absolutamente falso e que o fato de acumular opiniões que não têm absolutamente a mesma força real leva a uma distorção muito profunda.
- Terceiro postulado implícito: no simples fato de fazer a mesma pergunta para todo mundo acha-se implícita a hipótese de que existe um consenso sobre os problemas, em outras palavras, de que existe um acordo sobre as perguntas que merecem ser feitas.
A pesquisa busca enquadrar as opiniões individuais em pautas preexistentes, para poder somar os resultados e encontrar uma maioria manifesta. Como é impossível entrevistar a todos os membros de uma população, retiram-se amostras e depois aplica-se os resultados obtidos à população. O resultado da pesquisa, então, será o posicionamento dos que se manifestaram, e não, de fato, a opinião da maioria da população afetada pelas decisões ou posicionamentos decorrentes dessa pesquisa.
Focando a aplicação das pesquisas no desenvolvimento das atividades de comunicação nas instituições, vejo como ponto positivo a possibilidade de ouvir, mesmo que parcialmente, o que o público tem a nos dizer. As pesquisas podem também cumprir um papel relacional com os públicos, pois são a oportunidade que as pessoas têm de expressar seus pontos de vista e se sentirem parte das decisões de um grupo. E através da pesquisa, ou mesmo de ouvidorias, podemos sair um pouco do campo do que se imagina que as pessoas pensam para a confirmação ou não dessas interpretações.
Recentemente, tive a experiência de tentar fazer uma sondagem com o público-alvo para colaborar nas decisões sobre um evento periódico. O que aconteceu foi que apenas 11% do público se manifestou, sendo que a totalidade do público foi consultada e teve a oportunidade de opinar.
Esse exemplo confirma como, mesmo havendo o interesse de representar a maioria do grupo envolvido, mesmo tentando pautar as decisões baseados em uma visão coletiva e não individual, é muito difícil encontrar o consenso, principalmente pela ausência da manifestação das opiniões individuais. Porém, oferecer a possibilidade das pessoas envolvidas opinarem sobre as decisões, vejo como algo positivo para a imagem da instituição, reforça os laços relacionais e o engajamento desses públicos.
O que me preocupa ainda, é o fato de perceber que as pessoas não aproveitam as chances que têm de participar, no entanto, a crítica posterior às decisões tomadas virá forte e impiedosa.
Saindo um pouco do enfoque profissional, e entrando na minha visão pessoal, lamento perceber que estamos longe de sermos cidadãos coerentes e colaborativos. Por vezes, evitamos de nos posicionar e participar, quando nossa opinião será útil na tomada de decisões. Mas conseguimos ser extremamente cruéis no momento de criticar e julgar aqueles que agem. Por vezes, nossa opinião é incoerente quando a expressamos de uma forma, mas nossas atitudes e ações andam no sentido oposto ao que foi proferido.
Deixo então uma reflexão final para todos nós: será que emitimos nossa opinião com o intuito de colaboração e transformação das realidades que nos desagradam? Ou será que encontramos na crítica uma forma de desabafo, uma forma de amenizar nossas próprias falhas e fraquezas?
A opinião, seja ela individual ou pública, pode ser construtiva, mas também pode ser extremamente destrutiva. Qual delas é a opinião que grita mais alto?
Referências:
HIWATASHI, Erica (Org.) - Públicos, opinião dos públicos e opinião pública; Editora Unisinos 2017;
BOURDIEU, Pierre – A opinião pública não existe - In: THIOLLENT, Michel. Crítica Metodológica, investigação social e enquete operária. São Paulo: Polis, 1981. p. 137-151
Vídeo: A Opinião Pública como você nunca viu | Prof. Clóvis de Barros Filho; https://www.youtube.com/watch?v=TgBv9kqVpu8&feature=youtu.be; Acesso em maio/2016.
Disciplina: Públicos e Opinião Pública - 2017/1 - Unisinos
Professora: Erica Hiwatashi
Tutora: Cristiane Kessler de Oliveira
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